Metalurgia (e Arqueo Metalurgia)
Breves noções de Metalurgia
As várias idades da Humanidade são pontuadas pelos avanços em materiais cada vez mais resistentes, capazes de lidar com os elementos naturais (quer sejam animais, plantas ou rochas) ou outros seres humanos de forma a se poder "domá-los" e assim ter um nível de vida superior.
Desde as primeiras lanças com pontas endurecidas a fogo, até às modernas ligas de titânio, o objectivo tem sido sempre o mesmo: criar algo robusto, capaz de auxiliar nas tarefas diárias.
Há vários volumes de diversos autores sobre arqueo-metalurgia e seria impensável assumir que estas breves noções que apresentamos estarão formalmente correctas no seu todo. Trata-se da nossa leitura e digestão desses volumes, combinadas com a experiência prática de quem utiliza as armas, veste as armaduras e dispara os engenhos de cerco.
Cobre, bronze e latão.
O cobre é um metal dúctil, dos primeiros a ser usado pelo Homem. Relativamente fácil de minar, de moldar e de fundir, foi rapidamente aproveitado para criar numerosos artefactos de uso diário ou de joalharia. O seu uso militar era limitado.
Tanto o bronze como o latão são ligas de cobre (cobre - estanho e cobre - zinco respectivamente) com bastantes mais utilizações militares devido a serem mais resistentes e robustas. Desde armas e armaduras a ferramentas, durante várias centenas de anos o bronze dominou o equipamento militar, nomeadamente nas Falanges Gregas.
Ferro e aço
Apesar de aço ser composto por ferro (o elemento Fe) distingue-se pelo facto de ter uma concentração de 0,2% a 2,2% de carbono, sendo que concentrações superiores, até cerca de 8%, produzem ferro fundido. Apenas no século XIX se começou a fabricar aço em quantidade e qualidade. Antes do séc. XIX apenas algumas zonas e épocas produziam aço, uma delas era a Península Ibérica. Para se produzir aço são necessárias altas temperaturas, oxigenação da fornalha e têmpera de forma a que a fase robusta (martensite) seja "fixada". Assim, o pouco aço que era produzido era devido a uma combinação de factores, como elementos de liga, já presentes no minério, fornalhas com formatos que permitiam temperaturas mais altas e, o mais importante de tudo, sorte no desenvolvimento do processo empírico que depois seria transmitido ao longo de gerações. Especialmente antes do início da era cristã, muitos destes processos envolviam rituais que de facto funcionavam, como o enterrar de chapas de metal para que o ferro dúctil fosse corroído para depois as "soldar" numa nova fornalha.
Tendo em conta estes factores, havia de facto zonas que produziam aço com alguma qualidade, mas a vasta maioria seria quase todo ferro fundido e ferro forjado.
Ferro Forjado (0,02% a 0,08% Carbono)
O primeiro metal ferroso que o homem produziu foi de facto o Ferro Forjado, era obtido fundindo minério de ferro numa fornalha de carvão de forma a que o oxigénio presente no minério se combine com o monóxido de carbono proveniente da combustão de forma a combinar-se em dióxido de carbono e assim deixar uma massa esponjosa de ferro, inclusões, cinza etc. que seria depois levada à forja (daí Ferro Forjado) onde era aquecida, retirada, batida na bigorna, aquecida, retirada, batida etc. um numero de vezes que o ferreiro entendesse como necessárias de forma a retirar as inclusões e permitir o melhor metal possível para o fabrico quer de armas quer de armaduras. Existem artefactos de ferro forjado com cerca de 4000 anos.
Ferro Fundido (2,1% -8% Carbono)
A altas temperaturas o minério de ferro começa a absorver o carbono da queima o que baixa a sua temperatura de fusão criando assim um liquido fundido que pode ser vertido em moldes (geralmente de areia) com a forma final do objecto que se quer. O Ferro Fundido é mais robusto que o Ferro Forjado, mas é frágil o que significa que sob pancadas fortes não irá ceder de forma plástica (dobrar) mas sim quebrar imediatamente. Totalmente inadequado para aplicações como armas e armaduras mas útil para alguns bens de consumo e balas de canhão. Apesar de existirem artefacto de ferro fundido com cerca de 2500 anos estes provêm da China sendo que na Europa só se conhecem alguns artefactos com cerca de 700 anos.
Aço (0.2%-2.2% Carbono)
O aço propriamente dito aparece em meados do séc. XIX (com uma notável exceção - ver abaixo) com o "conversor" de Bessemer quando se começar a compreender quer a química quer as propriedades mecânicas do aço durante os processos de fusão e tempera. Existem inúmeros factores presentes na produção de aço de qualidade sendo que um deles é obviamente a qualidade do minério, desde o séc. XIX que o aço tem vindo a sofrer melhorias continuas a nível da sua composição química de forma a ter as propriedade mecânicas desejadas para as aplicações certas.
Aço no Império Romano
O Professor David Sim escreveu 3 volumes - vide bibliografia - muito interessantes sobre os processos de fabrico de aço (sim aço) para o Império Romano. O processo começa evidentemente pela seleção do minério que já na altura se sabia o melhor ser da Suécia - sabemos hoje que é devido ao facto de não ter Fosforo na sua composição (fosforo no minério tornará o aço frágil e com tendência a partir) passando posteriormente pelo processo de fundição e forja. De acordo com o trabalho do Professor Sim quer o uso de carvão vegetal quer de fornalhas especialmente desenhadas permitiam ter um aço com um nível de inclusões aos níveis de um aço moderno. Combinando um bom metal com técnicas mecânicas de o trabalhar como o uso de painéis de extrusão, rolos mecânicos para formar chapas etc. os ferreiros que forneciam as legiões conseguiam uma uniformidade em termos de qualidade e em termos de espessura das folhas de metal (por exemplo para a icónica armadura - Lorica Segmentata) que só viria a surgir novamente 1500 anos depois. Há algumas razões para a produção industrial de aço nunca ter sido devidamente compreendida, e uma delas é o preconceito de quem observa uma escavação, se alguém estiver "formatado" para ver uma coluna nunca irá ver um rolo de pedra para produzir chapas metálicas.
E as nossas armas e armaduras?
Bem o que podemos dizer é que todos os materiais ferrosos utilizados hoje em dia, por todos aqueles que fazem recriação histórica, são de qualidade vastamente superior ao disponível na época que se retrata, o que acresce bastante na segurança visto as formas e dimensões serem idênticas, mas o material ser muito melhor.
Ainda mais no caso de se utilizarem aços de alta liga como Cr-Mo, que torna uma espada moderna virtualmente indestrutível e uma armadura bastante mais resistente. Ligas "INOX" não devem nunca ser utilizadas visto a protecção contra a corrosão oferecida ser "paga" pela fragilidade do material, que deixa de ter plasticidade para ter um comportamento meramente elástico até à fractura. Ou seja: deixa de "dobrar" e quando ceder parte. Muito como o Ferro Fundido.